Introdução
Eric Barone, dispensa apresentações, mas caso não o conheça, ele é um desenvolvedor de jogos, artista e músico. Reconhecido mundialmente por ter criado Stardew Valley, um sucesso absoluto com 41 milhões de cópias vendidas.
Hoje iremos mergulhar e descobrir a história de como um desenvolvedor independente construiu uma obra de arte e marcou seu nome para sempre na indústria de videogames.
O começo e a Ideia Inicial
Eric começou o desenvolvimento de Stardew Valley logo após se formar na Universidade de Washington Tacoma no ano de 2011. Sem conseguir espaço no mercado de trabalho, decidiu tocar um projeto ainda sem nome com um único objetivo: aprimorar suas habilidades e preencher uma lacuna dentro dos jogos de simulação de fazenda que haviam na época.
Existiam jogos no mesmo estilo mas os que se destacavam eram:
- Harvest Moon: The Tale of Two Towns (2011) – Nintendo DS/3DS
- FarmVille – Mobile/Facebook
A lacuna era óbvia:
“Não haviam jogos de simulação de fazenda para Computador. Não há um Harvest Moon moderno.”
Harvest Moon era uma série consolidada como líder do nicho e publicada por uma gigante da indústria, mas no ano de 2011 já apresentava uma perda de fôlego, até mesmo fãs do gênero como Eric, percebiam que os jogos não eram tão inovadores como os clássicos presentes no SNES (Super Nintendo) e Playstation 1.

Eis que surge a ideia principal: Sprout Valley (sim você não leu errado).
Em 6 meses Eric tinha um protótipo do projeto executável, todos os próximos 4 anos, foram dedicados a polir e refinar vários dos aspectos do jogo afim de torná-lo aceitável dentro dos seus padrões.
O conceito de produto mínimo viável era bem claro, nas próprias palavras de Barone:
“Você pode começar pequeno, mesmo com algo que não ache bom, mas ao longo do tempo com trabalho duro, prática diária e fazendo o seu melhor, ao longo dos anos, você pode fazer aquilo ficar melhor e quem sabe vender algumas cópias.”
O processo criativo
Ele não esconde em momento algum sua maior inspiração. O mais interessante é que ele queria fazer exatamente o que considerava faltar em Harvest Moon.
Faltavam trilhas sonoras, novas mecânicas, um ambiente que remetia a nostalgia que ele sentia quando era mais novo e mais do que qualquer coisa, uma atmosfera de que o jogo era vivo, ele queria que quem jogasse Sprout Valley tivesse sensação de que a cidade tinha vida própria, com ou sem a interferência do jogador.
Em uma de suas entrevistas Barone fala sobre como a parte de desenvolver (código) foi relativamente a mais simples e que em suas dez horas de trabalho diário ao longo dos primeiros meses, ele gastou uma parcela considerável dessas horas criando e abastecendo conteúdo na engine em que estava usando.
Devido a influência de sua mãe, ele desde cedo se envolveu em projetos que aguçavam seu lado artístico o que fez ele ter mais facilidade no processo de imaginar os elementos de cartunescos do projeto, o que facilitou bastante sua jornada.
A carreira indie como uma alternativa
Eric não tinha pretensão alguma de fazer Sprout Valley um jogo real, ele tinha estabelecido que se tratava de um clone de Harvest Moon, feito por um fã e que acabaria publicando na plataforma XBOX Live Indie Games, como uma forma de melhorar seu currículo e usar aquilo para finalmente conseguir ingressar no mercado de trabalho.
Mas conforme os meses foram passando e percebendo uma melhora significativa em suas habilidades como desenvolvedor, novas oportunidades foram sendo percebidas por ele, que percebeu o potencial do que tinha em mãos: pode ser um jogo de verdade.
Um ano depois do começo do desenvolvimento – Setembro de 2012 – Eric toma a decisão de transformar seu projeto em um produto final e publica no Steam Greenlight, uma iniciativa que permitia aos desenvolvedores de jogos independentes submeterem seus projetos para avaliação pela comunidade e descobrir finalmente se havia interesse em seu conceito.
Ao mesmo tempo, criou um site onde publicava updates recorrentes, inspirado pelo movimento built in public (Construído em Público) mantendo as pessoas atualizadas da progressão de Stardew Valley.
O problema da indústria de jogos e como ele foi superado
Em fevereiro de 2013, Eric é abordado por um grande estúdio da época chamado Chucklefish, especializado no desenvolvimento e publicação jogos com estética retrô.
Nas palavras dele:
“Eles chegaram no momento certo, eu não queria o jogo no acesso antecipado da Steam, todos os jogos na época pareciam estar em acesso antecipado, eu queria que meu jogo se destacasse dessa multidão e eu sabia que as pessoas estavam cansadas de pagar por produtos inacabados”.
Em maio de 2013, o projeto recebe o sinal verde da Steam e da Chucklefish para ser publicado e nada mais impedia ele de realizar seu sonho.
No entanto, levariam mais 3 anos para isso acontecer.
Em seu update #12, Eric confessa aos fãs que o jogo ainda não estava pronto.
“Acho que a maioria de vocês vai concordar que um jogo feito lentamente, polido e cheio de recursos, é melhor que algo feito as pressas e com o lançamento atrapalhado.”
Estava claro que ele não abriria mão da sua filosofia de entregar apenas quando sentisse que tinha feito o seu melhor.
A escolha de não praticar o acesso antecipado, não liberar uma versão beta ou algo do tipo para captação de recursos foi algo impensável na época e muitas pessoas da indústria achavam que ele estava perdendo dinheiro.
Não poderiam estar mais enganados.
Barone ensinou a indústria que essa demanda financeira custando a qualidade do projeto, eram os sintomas de um setor que estava disposto a sacrificar a excelência e o reconhecimento por algo extraordinário por uma quantia exorbitante de dinheiro.
Iteração e Recursos
Eric não esconde em suas entrevistas que o perfeccionismo atrapalhou um pouco o desenvolvimento de sua obra.
Depois de mais de um ano trabalhando incansavelmente no projeto, ele se viu com habilidades muito maiores do que tinha quando iniciou, o que levou ele a refazer partes inteiras do jogo do zero.
“Você percebe que aquilo que você achava que era bom, na verdade não é. Você percebe o porquê e então é capaz de melhorar e isso é um ciclo sem fim.”
Depois de anos do sucesso e relevância alcançada, ele confessa não saber como conseguiu fazer um jogo tão grande quanto Stardew Valley sozinho.
“Eu sabia que era um ninguém e que a única coisa que poderia mudar isso era trabalhando duro todos os dias.”
Cabe aqui ressaltar um ponto que me chamou bastante atenção na pesquisa, apesar da maioria das pessoas pensarem que para desenvolver é preciso ter sempre a ferramenta de software mais atualizada ou o melhor hardware disponível, Barone sempre foi um defensor do simples que funciona.
Aqui está o que ele precisou usar para desenvolver Stardew Valley:
- Paint.net – um software de edição de gráficos gratuito para Microsoft
- C# – todo código feito com o framework Microsoft XNA
- Propellerhead (Atual Reason) – software para criação das musicas e trilhas sonoras
Com apenas esses softwares (e tempo) Eric conseguiu dar vida a todos os aspectos que queria:
“Eu gostava de realizar todos os processos do jogo, codificar, desenhar, fazer as trilhas, escrever, eu ficaria entediado fazendo apenas uma coisa o tempo todo.”
Isso reforça mais um ponto importantíssimo: Barone sabia que precisava abandonar certos aspectos do projeto depois de desenvolver uma parte considerável (em média 80% de qualquer funcionalidade).
Conhecendo o próprio perfeccionismo, ele sabia que ficar preso para sempre tentando fazer algo muito específico ser excelente, prejudicaria o desenvolvimento de outras mecânicas que ficariam para depois (o mesmo erro cometido pelos desenvolvedores de Harvest Moon).
Coragem para desagradar
Um exemplo importante do quão Eric batalhou para o jogo ter a sua pegada é representado por um episódio interessante: abater animais.
Como todo jogo de fazenda, a funcionalidade de criar animais estava presente desde os primeiros dias, mas durante os testes, solicitaram a Eric a opção de abater os animais para coletar sua carne e assim continuar a progressão.
No primeiro momento, ele implementou a funcionalidade, mas com o passar dos dias mudou de ideia e a removeu pois não parecia certo ao seu julgamento:
“Eu não queria que Stardew Valley tivesse esse tipo de violência. Você dá nome aos animais, faz carinho neles, até mesmo existe uma reação de coração quando você se aproxima e eles estão felizes. E então você mata? Isso parecia simplesmente errado. Então eu removi essa funcionalidade e não me arrependo.”
É uma prova de que nem sempre aquilo que o cliente pede, é o certo a ser feito. Ele sabia que a decisão de curto prazo iria deixar parte da comunidade insatisfeita e com a sensação de que falta algo, mas existem valores que são inegociáveis e Barone provou seu ponto.
O valor do isolamento
Eric nunca foi um fã dos holofotes.
Isso fica bem claro pois em todas as atualizações que publicava no blog e que estão no ar até hoje, ele usa o pseudônimo de ConcernedApe.
Ele até hoje é uma pessoa de pouquíssimas entrevistas e confessa na maioria das vezes ser introvertido e que prefere ficar sozinho.
“Houveram momentos em que eu não tive vontade alguma de trabalhar, que eu até quis largar tudo completamente. Foi a paixão e a disciplina que me fizeram continuar em movimento.”
A incerteza até o lançamento
Em seu update #32 datado de Dezembro de 2015 – mais de 4 anos depois do começo do desenvolvimento – Eric abordou pela primeira vez de maneira objetiva o lançamento do projeto ao público.
“Imagine jogar o mesmo jogo por quatro anos, todos os dias, eu não tinha qualquer ideia se o jogo era bom ou ruim. Na verdade, comecei a acreditar que era ruim.”
Desenvolvimento da Comunidade
Uma lição muito importante também é sobre como geriu a comunidade que Stardew Valley criou ao longo do tempo.
Eric foi muito sincero quanto a isso e vai na contra-mão do restante da indústria.
“Minha estratégia para a comunidade é bem simples: sem estratégia. Como uma pessoa que queria criar uma comunidade saudável, eu queria ser apenas eu mesmo, ser um ser humano de verdade. Tratar todos com respeito e ser honesto.”
Como Stardew Valley cresceu e como atraiu mais jogadores ao longo do tempo?
Para manter a base de jogadores ativa e expandir, Barone estabeleceu 5 pilares:
- Atualizações Regulares e Gratuitas: adição de novos conteúdos e funcionalidades, isso com o intuito de sempre ter algo novo para os jogadores antigos.
- Portabilidade para Outras Plataformas: era inevitável a expansão para outras plataformas, o que fez o jogo se espalhar mais ainda.
- Comunicação com a Comunidade: manter o blog de desenvolvimento e participar de tópicos de discussão que acontecem na comunidade, como forma de coletar sugestões e feedback dos jogadores.
- Suporte a Mods: sabendo da sua limitação, permitiu desde o lançamento que outros jogadores fizerem modificações ao seu jogo de acordo com as suas preferências e aumentando a longevidade do jogo base.
- Marketing Orgânico: é um dos estudos de caso com melhor uso do Marketing Orgânico, o projeto foi abraçado pela comunidade independente de uma forma nunca antes vista.
Essas abordagens têm sido fundamentais para atrair novos clientes e manter a comunidade engajada ao longo dos anos.
Qual o maior arrependimento?
Barone relata que uma das maiores dificuldades e arrependimentos que tem durante o desenvolvimento, foi o fato de que dedicar cerca de 70 horas em média por semana, teve um impacto significativo muito maior do que ele esperava.
“Embora o jogo tenha tido um sucesso significativo, reconheço que o nível de dedicação que tive não era sustentável e poderia ter me levado a exaustão. Se eu pudesse voltar atrás eu buscaria um maior equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, priorizando meus relacionamentos e bem-estar enquanto perseguia meu objetivo profissional.”
O faturamento de Stardew Valley
Estimativas feitas por fãs e especialistas da indústria falam em valores por volta de $350-450M de dólares.
O modelo de negócio direto, sem tantos intermediários tradicionais, permitiu que ele pudesse capturar uma parcela significativa de cerca de $140 milhões de dólares, demonstrando o potencial de desenvolvedores individuais na indústria.
Quais os maiores ensinamentos deixados por Stardew Valley?
Confesso que condensar isso em um único tópico deu bastante trabalho, até para compreender a filosofia de Barone e poder entregar algo condizente com o esmero que ele tem com a obra dele.
Podemos resumir os ensinamentos da seguinte forma:
- Paixão pelo Projeto: fica claro que o mais importante foi ter um projeto em que ele acreditava ao longo do tempo para continuar trabalhando mesmo sem ganhar nada.
- Autenticidade na comunicação: seja você mesmo, se comunique de forma genuína e fuja de scripts prontos ou de falar aquilo que querem ouvir, nada conquista mais um cliente do que ser verdadeiro.
- Equilíbrio: embora a dedicação possa ter sido parte importante do sucesso, percebi um arrependimento muito grande ao ler diversas vezes que essa falta de limites impôs a Barone uma piora significativa do relacionamento dele com amigos e familiares.
- Atenção aos detalhes: Stardew Valley poderia ter sido lançado com 6 meses, mas não era isso que o criador da obra queria. Ele queria excelência e estabelecer um legado de longo prazo. Isso só é possível tendo esmero e cuidado com os detalhes.
- Aprendizado Contínuo: o maior ensinamento sem sombra de dúvidas, estar aberto a novas habilidades e adaptar-se às mudanças foi fundamental.
Considerações Finais
Eric Barone é, sem dúvida, um exemplo de inspiração, demonstrando como paixão, dedicação e autenticidade são fundamentais para dar vida a um projeto com propósito.
Ao desenvolver Stardew Valley de forma transparente, ele reforçou a importância de acreditar na própria visão, mesmo quando os desafios parecem intransponíveis.
Sua história é uma prova concreta de que, com persistência, aprendizado contínuo e uma conexão genuína com o público, é possível alcançar resultados extraordinários.
A grande lição que este Estudo de Caso deixa para os leitores e leitoras da Passo Pioneiro é clara:
Trabalhe com paixão, tenha paciência com o processo e nunca subestime o poder de um projeto autêntico.
Todas as citações presentes neste Estudo de Caso foram traduzidas e adaptadas de forma fiel ao sentido original das falas de Eric Barone.
Até o próximo Estudo de Caso,
👋🏼