A História de Yvon Chouinard: Lições de Sustentabilidade e Liderança

Introdução

Meu primeiro contato com Yvon Chouinard foi no ano de 2018 ainda durante a faculdade enquanto lia “Lições de um empresário rebelde”. Sua visão sobre empreendedorismo e pelo desenvolvimento de uma cultura empresarial que prioriza o planeta, foram os pontos que mais me marcaram, a ponto de ser uma das grandes inspirações da Passo Pioneiro.

Fundada por um alpinista apaixonado pela natureza, a Patagonia representa bem mais do que uma empresa de vestuário e acessórios outdoor. Sob a liderança de Chouinard, a empresa se destacou no mercado pelo seu forte compromisso com a sustentabilidade ambiental, fruto de uma cultura voltada a redução do impacto dentro de um setor conhecido por ser um dos piores para o planeta no quesito de poluição e consumo de recursos naturais.

Yvon Chouinard em 1972

A história de Yvon Chouinard, o homem que colocou o planeta Terra como sua prioridade empresarial é o estudo de caso dessa semana na Passo Pioneiro. 👇🏼

Voltando um pouco no tempo

Antes de falar sobre a Patagonia, precisamos retornar ao passado, mais precisamente ao ano de 1958 nos Estados Unidos.

Chouinard era um apaixonado por escalada e como todo americano que tem essa paixão, sabia que um dia precisaria enfrentar os paredões de Yosemite, uma das regiões mais icônicas e desafiadoras para escalada nos Estados Unidos.

O grande problema? Pitons.

Pitons Chouinard do catálogo de 1958

Uma breve explicação: pitons são dispositivos de segurança metálicos usados por escaladores para serem inseridas em rachaduras ou fissuras entre as rochas, criando um ponto de ancoragem que suporta o peso do escalador e pode protegê-lo de quedas.

Na época, os pitons eram feitos de ferro, o que acabava os tornando descartáveis e inviáveis para grandes desafios como as enfrentadas nas paredes de Yosemite, onde centenas dessas peças eram necessárias. Isso tornava o custo por escalada proibitivo e criava um problema prático e financeiro.

Então Yvon decidiu enfrentar o problema de uma forma não ortodoxa. Ele comprou uma forja usada e uma bigorna, aprendendo na prática como ser um ferreiro. Usando aço duro em vez de ferro macio, ele desenvolveu pitons reutilizáveis, que poderiam ser retirados das rochas sem danificar o equipamento.

A inovação foi um sucesso e a solução foi rapidamente adotada pela comunidade de escaladores. Chouinard começou a fabricar e vender os pitons durante o inverno na caçamba de seu carro por US$ 1,50 cada um. Embora o processo fosse demorado e pouco lucrativo (apenas dois pitons sendo feitos por hora) era o bastante para proporcionar a liberdade de escalar e explorar a natureza.

A primeira grande lição

Chouinard poderia cobrar muito mais caro em seus produtos, ainda mais sabendo que era um diferencial enorme para toda comunidade. Mas ele não quis.

Ele não esconde em seu livro que nunca teve grandes aspirações de ser um empresário.

“Nenhum jovem sonha em se tornar um empresário algum dia. Ele quer ser um bombeiro, um atleta patrocinado ou guarda florestal.”

Antes de tudo, Yvon se via como um escalador, um surfista e um ferreiro, mas nunca como um empresário. Em outras palavras, ele era movido por um propósito.

“Se você quer entender o empreendedor, estude o delinquente juvenil. O delinquente está dizendo com suas ações: “Isso é uma droga. Vou fazer minhas próprias coisas.”

Para ele, empreender era na verdade buscar soluções práticas para problemas comuns, fazendo diferente e atendendo necessidades reais, não uma busca desgovernada por lucro ou status.

A inovação inspirada por valores

Com o crescimento da empresa, Yvon formou uma parceria com Tom Frost, um escalador formado engenheiro aeronáutico. Durante 9 anos, Frost contribuiu significativamente para a empresa, ajudando a redesenhar quase todas as ferramentas de escalada. Juntos, eles priorizaram tornar os equipamentos mais leves, simples, fortes e funcionais.

Em 1970, a empresa de Yvon Chouinard e Tom Frost havia se consolidado como uma das maiores fornecedoras de equipamentos para escalada do país. No entanto, enfrentavam um problema sério: seus pitons de aço estavam danificando as faces dos paredões de rocha.

O constante processo de inserção e remoção deixava cicatrizes permanentes, comprometendo a integridade natural das paredes. Para Chouinard, um defensor apaixonado da natureza, isso era inaceitável.

Então, veio a decisão que pegou todos de surpresa: a Chouinard Equipment deixaria de fabricar pitons. Na época, as vendas de pitons representavam 70% da receita da empresa, mas Chouinard estava disposto a sacrificar uma fatia significativa do faturamento em nome da preservação ambiental. Essa atitude era a prova definitiva de que ele colocava seus valores acima dos lucros.

Diante da pressão financeira, ele e Tom fizeram o que empreendedores fazem de melhor: inovaram. A solução veio na forma dos Hexentrics, peças de calço de alumínio projetadas para substituir os pitons, oferecendo uma alternativa sustentável e alinhada aos seus princípios.

Hexentrics disponíveis para compra no catálogo de 1972 da Chouinard Equipment Ltd.

A principal vantagem é que os novos dispositivos não perfuravam a rocha, mas se encaixavam em rachaduras reduzindo drasticamente o impacto ambiental.

O que fez com que a empresa passasse a defender um novo estilo de escalada chamada “Escalada Limpa”, presente em um manifesto de Doug Robinson no catálogo da empresa do ano de 1972.

“Escalar usando somente as mãos e equipamentos para proteção, é escalada limpa. Limpa por que a rocha fica intacta depois de um escalador passar. É escalar a rocha sem mudá-la, é um passo na direção de uma escalada mais orgânica para pessoas comuns.”

Esse conceito mudou para sempre a escalada em rocha e deixa uma segunda lição muito importante para compreender a figura do nosso estudo de caso dessa semana.

Ele tem um conjunto de valores bem claro e que ditam todas as decisões de negócio, independentemente das consequências envolvidas. Por isso penso que ele é tão interessante: uma figura que toma decisões empresariais radicais e que frequentemente contradiz o que especialistas julgam ser o melhor a ser feito, em nome dos seus valores.

A viagem que mudou tudo

Por volta de 1973, Yvon começou a buscar novos produtos para incluir em seu catálogo, com foco em roupas mais duráveis e adequadas para escaladas em diferentes climas. Durante uma viagem à Escóssia, ele descobriu as camisetas de rugby, feitas de um tecido mais resistente e com uma gola mais reforçada, o que era ideal para evitar que a tipoia de escalada causasse qualquer desconforto no pescoço.

Foi nesse momento que Yvon percebeu que tinha encontrado a próxima grande inovação para melhorar a experiência de escalada. Essa descoberta marcou o início do que viria a se tornar a Patagonia, uma marca pioneira no vestuário outdoor.

O Fim da Chouinard Equipment

Diante de todo esse sucesso, fica a pergunta: por que não vemos o nome da Chouinard Equipment hoje?

A resposta é simples, no ano de 1989 a empresa declarou falência. O motivo principal foi por conta de processos judiciais relacionados à resposabilidade por acidentes envolvendo seus equipamentos, mesmo produzindo materiais de excelente qualidade, os custos crescentes com litígios e seguros ao longo do tempo, tornaram a operação insustentável.

Com isso, Yvon pôde voltar seu foco para a sua marca de roupas e equipamentos chamada Patagonia.

O Nascimento da Patagonia Inc.

Desde a sua criação, a Patagonia não só incorporou os valores de Chouinard, mas também se destacou pelo design e inovação, desenvolvendo novos materiais como Capilene e o Synchilla. A empresa também manteve um forte compromisso com a ética nos negócios, priorizando a preservação ambiental acima do lucro. Ele continuava não querendo ser um empresário, mas sim como um porta-voz que poderia usar sua empresa como uma plataforma para promover mudanças ambientais positivas.

A patagonia em última análise, servia aos ideais de Chouinard, não ao lucro.

Para isso, era necessária a construção de uma cultura corporativa única, que servisse a esses ideais.

Para Chouinard em seu livro fica muito claro que o trabalho deve ser algo prazeroso, com uma integração natural entre trabalho, lazer e família. Prova disso é que os funcionários podiam desfrutar de coisas como:

     

      • Se vestir de maneira informal

      • Trabalhar em horários flexíveis para aproveitar atividades como surfe ou esqui

      • Operar em uma estrutura sem hierarquias rígidas, com espaços abertos em vez de escritórios fechados

    Essa abordagem foi amplamente valorizada pelos funcionários da Patagonia. O que ajudou a diminuir a taxa de rotatividade de funcionários dentro da empresa de 13% para 4%, evidenciando o impacto positivo da cultura organizacional desenvolvida por Yvon.

    Quais as principais lições de Yvon Chouinard?

    Existem dezenas de outras curiosidades e ações envolvendo a jornada de Yvon Chouinard a frente da Chouinard Equipment Ltd. e da Patagonia que merecem menção e aplausos, mas acredito que um texto com maior poder de síntese tenha um impacto maior em você querido leitor.

    Este estudo de caso é um exemplo marcante de como é possível aliar negócios a valores éticos e ambientais sem comprometer a excelente.

    Foi desafiador elencar apenas 3 lições para essa trajetória, mas acredito que as mais poderosas e atemporais são:

       

        1. Saiba muito bem o seu próposito: ele construiu uma jornada em torno de um propósito claro, proteger o meio ambiente e melhorar a experiência de vida ao ar livre. Ter um propósito genuíno como norte não é apenas um guia para decisões empresariais, mas também uma ferramenta capaz de inspirar outras pessoas a se unirem ao seu projeto.

        1. Defina sua cultura desde cedo: A cultura única da Patagonia, centrada em flexibilidade, conexão com a natureza e trabalho prazeroso, não são replicáveis na maioria dos casos, mas o que podemos aprender com isso? Será que alguma parte da cultura da Patagonia, pode ter um impacto positivo em seu negócio?

        1. Aproveite a vida: Sem sombra de dúvidas o que mais me marcou. Chouinard é uma lição sobre priorizar o equilíbrio entre trabalho e lazer, provando a todos que a felicidade e o bem-estar não precisam ser sacrificados em nome dos negócios.

      “É possível redefinir o sucesso empresarial com propósito, impacto positivo e compromisso genuíno com um futuro sustentável.”

      Encerramos por aqui esta semana.

      Até sábado que vem.

      👏🏼